Blog do Luiz Fernando

CANSEI de tentar modificar a Constituição deste País. Toda discussão sobre política hoje é contraproducente. E o negócio é produzir. Bola pra frente. Como a propaganda é a alma do negócio, sou advogado, faço contabilidade, e atendo 6h por dia no escritório e 24h por dia na internet. Um dia chego onde quero. E O QUE EU QUERO MESMO É VOLTAR PRO SERVIÇO PÚBLICO...

08 dezembro 2005

Retrospectiva 2005 - Crise e Constituição

Estou procurando alguns posts do orkut dos quais gosto, e cujas idéias quero desenvolver melhor ano que vem. Aproveito para testar os limites de postagem aqui (São bons).

Crise e Constituição 06/07/2005 14:26

Venho demonstrar minha preocupação com o atual estado de coisas em nosso país, a meu ver reflexo de todas as contradições que poderiam surgir do confronto entre a tradição histórica colonial, imperial e totalitária do nosso passado e os novos anseios da Nação em sua persistente busca pela plenitude das liberdades democráticas, único caminho antevisto para a consecução da ordem e do progresso estabelecidos em nosso pavilhão nacional, e que passam pela absoluta necessidade de concessão de maior autonomia aos entes federativos, em que fosse prestigiada a descentralização e desconcentração dos poderes estatais. Tenho em vista o constante embate entre aquela tradição histórica — estampada nas instituições brasileiras — e a modernidade alcançada por força do vertiginoso desenvolvimento tecnológico da Humanidade, fenômeno inexorável que promoveu o processo de globalização mundial, mediante a eliminação virtual ou real das fronteiras nacionais entre os povos.

Restrinjo a análise aos últimos 20 anos, ou seja, desde a instalação da Assembléia Nacional Constituinte brasileira, em 1986, no bojo de um movimento em que se almejou restabelecer a ordem democrática no país. Foi justamente ao longo deste período que se formou e cristalizou o que poderia seguramente ser chamado de "institucionalização da crise". De fato, o povo brasileiro, ao longo da experiência democrática ali iniciada, acostumou-se a definir o momento, a situação do país no dado instante, pelo termo crise. Tornou-se comum nos proclamarmos um país em crise, principalmente frente a fatos determinados, em que as mazelas herdadas por nossas tradições são esgarçadas e expostas publicamente, como no caso destas Comissões Parlamentares de Inquérito que hoje, por mais uma vez, lançam mais um governo no total descrédito, pelas mais diversas e verdadeiras razões.

Uma penca de definições surgem em qualquer dicionário da língua portuguesa, remetendo inclusive a conotações políticas, em que a incidência do vocábulo se faz mais acentuada, embora todas remetam a uma origem comum: a doença. Enfim, o vocábulo "crise", em nossa língua de origem greco-romana, — e mencionando aqui a já velha apologia do significante "crise", que, na escrita japonesa, é composto por dois símbolos que contém os significados "risco" e "oportunidade" — seria a manifestação exterior de uma doença, com a finalidade de, mediante a sinalização de sua existência, conclamar a formação das defesas orgânicas, bem como as precauções necessárias e suficientes para sua debelação. Devemos atentar para o fato de que, não obstante os incontáveis avanços sociais e de inclusão numa ordem internacional que cada vez mais se interpenetra, mediante o fato da globalização, se a Nação passou os últimos 20 anos em crise, sua principal origem se encontra no campo jurídico-político, mais especificamente naquele que é o documento fundante da ordem jurídica e política de qualquer sociedade em nosso grau de civilização, ou seja, na Constituição da República Federativa do Brasil, proclamada em 5 de outubro de 1988, e alterada por 52 Emendas Constitucionais até o presente momento — 6 no âmbito do processo de revisão por esta instituído para 1993, e 46 vezes pelo processo ordinário de Emenda nela previsto. Se, por um lado, a Constituição nunca foi cumprida em sua integralidade, pois padece de vícios e contradições insanáveis, por outro lado, foi promulgada há 17 anos atrás, para um Brasil que não mais existe, por uma Assembléia Nacional Constituinte extremamente eclética — o que foi exigido pela sociedade brasileira à época, que havia saído de um período longo em uma ditadura —, o que veio a contribuir para que, além de ser muito prolixa e desconexa, para não dizer redundante, não seja um documento elaborado pelas regras mais elementares da técnica jurídica, que se tornam imprescindíveis quando de sua aplicação.

Entretanto, o que há de importante a ser destacado é que o problema institucional do país continua sem solução, mesmo depois das 52 Emendas à Constituição, que limitaram-se em mero paliativo — e, por vezes, acobertamento — dos problemas estruturais que o Brasil tem que enfrentar, sem mais adiamento. Afirmamos que os problemas do Brasil, seja no que tange a seu sistema político, seja no que tange ao sistema jurídico-legal, e principalmente no que tange à Administração Pública, são não apenas urgentes e imediatos, mas também insolúveis a médio e longo prazo, o que pode acarretar a condenação das nossas gerações futuras à falta de planejamento e de zelo, por nós demonstrado a algo que toca fundo em nossa própria existência, por definir os padrões sociais e culturais vigentes, e que vêm a ser nosso modelo de organização comunitário. Condenação essa cuja pena vem sendo expiada por nós mesmos diariamente, nesses tempos em que o país inteiro passa o dia inteiro conectado "ao vivo" e "on-line" em Brasília, e no entanto sabe muito pouco sobre o cotidiano — cada vez mais triste, violento e pobre — que o circunda. Identificada a origem, e mediante a constatação diária dos sinais exteriores da grave crise institucional pela qual passamos, pretendemos agora desdobrá-la, a fim de traçar um panorama geral dos problemas que hão de ser enfrentados por uma nova Assembléia Nacional Constituinte, que já vem sendo cogitada por vozes que encontram ressonância na opinião pública. Deste modo, de todas as "crises" pelas quais o Estado Brasileiro padece, identificamos e destacamos três principais, nas quais todas as outras se reagrupam.

Em primeiro lugar, a crise do sistema de imposição estatal, que se dá principalmente pela negligência, imprudência e imperícia do legislador brasileiro na disciplina da relação do Estado com seus cidadãos, citando exemplificativamente a tributação e a previdência pública, a tutela das relações de trabalho e a prestação de serviços públicos, que foram objeto das inúmeras "reformas" nestes 17 anos. Neste particular, ressaltamos que o Estado social-intervencionista, que em tudo intervém e se sente obrigado a intervir, pode ser considerado padrão nas sociedades ocidentais hoje em dia. Todo o mundo se ressente da verdadeira invasão do Estado nas mais diversas questões individuais. Há que se separar, clara e objetivamente, o que é pertinente ao campo público, e o que é pertinente ao campo privado, à intimidade das pessoas. A partir daí, buscar uma regulamentação ótima para o que é publico, e a garantia incondicional da liberdade, da segurança e da intimidade das pessoas.Entretanto, em nosso país, por falta de uma estruturação mínima e eficaz, a dita intervenção — sempre insuficiente e excludentemente regulamentada — acaba por se tornar uma "não-intervenção", uma situação caótica, o verdadeiro "ESTADO SEM LEI". Constata-se que, naquelas áreas em que deveria obrigatoriamente atuar, assegurando a liberdade e garantindo a segurança a seus cidadãos, bem como ao menos um mínimo de educação e saúde, não consegue estabelecer nem ao menos padrões mínimos de atuação. Pelo contrário, o emaranhado legal engendra toda a sorte de obstáculos jurídicos e políticos para impedir que os cidadãos ou comunidades interessados se organizem, a fim de conseguir a prestação SONEGADA pelo Estado.

Cremos que a crise do Estado, que de fato ocorre em todo mundo, tem no Brasil sua razão de ser em outra crise, qual seja, a de representatividade, neste país em que todos são obrigados a votar — sendo este um grave problema de nosso sistema, que consagra o clientelismo, o aliciamento e a falta de responsabilidade eleitoral — mas que, por distorções graves nos critérios de transformação dos votos em mandatos, bem como pela má distribuição de competências, tornam os cidadãos eleitos totalmente dissociados dos cidadãos que os elegeram, seja por falta de laços sociais que os liguem a determinada comunidade, seja pelo extenso rol de privilégios e prerrogativas que aqueles detém. Identificamos, pois, a total degradação do pacto federativo, que se dá pelas inúmeras distorções na representação política dos diversos agentes econômicos do país, espalhados por nosso território de uma forma tal que não foi respeitada — até porque inexistente, à época — quando de nossa divisão político-territorial. Todos estes fatores conduzem naturalmente ao centralismo político, e conseqüentemente, à ilegitimidade de fato, que ocorre pela absoluta falta de identidade entre o eleito — que as mais das vezes torna-se mero símbolo, totem erigido por alguns grupos não identificáveis, que se instalam invariavelmente na estrutura governamental, guaidos muitas vezes por motivos egoísiticos e mesquinhos de manutenção de uma situação particular —, e seu eleitor, que muitas vezes nem ao menos se lembra em quem votou (quando não votou movido por favores materiais, como a laje inacabada da casa, óculos, dentaduras, uma prática que, apesar de ser motivo para piadas, é corriqueira em incontáveis localidades do país).

Por último, exatamente como na prática política atual, verificamos que todos os problemas anteriormente mencionados deságuam na crise de legitimação que o cidadão, consumidor, contribuinte e eleitor, ou seja, nós: eu, que escrevo estas linhas, e você, que as lê, vivenciamos. A desvirtuação dos propósitos das normas legais, ou sua superposição sem sistematização, acarretam o verdadeiro caos de todos os subsistemas do direito positivo, mais notadamente naqueles ramos que concernem diretamente à Administração Pública em suas relações com o cidadão (tributário, fiscal, administrativo, previdenciário), agravados pela quase nula instituição de mecanismos de fiscalização e medição da efetividade da prestação estatal. A crise de legitimação, que leva o cidadão a não ser coagido pelas leis estabelecidas por seus governantes, acarreta, sobretudo, a irrealidade da legislação, o que nos conduz cada vez mais à informalidade, por um lado, tendo-se em vista que as práticas em nenhum campo guardam consonância com as regras estabelecidas; e, por outro lado, ao assistencialismo, tendo-se em vista que em um país em que a liberdade política está atrelada à concordância com a situação esquizóide de prescrever uma conduta e agir de modo diverso, que não mais se compatibiliza com o desenvolvimento de uma democracia sinceramente plural, e que quer romper com privilégios historicamente estabelecidos. Uma vez na informalidade, passamos a ser tratados como clandestinos pela Administração Pública, que a tudo vê mas, por estar tão distante e acima de nós, a nada enxerga, e a esta vida de clandestinidade condenados.

É justamente do confronto a todas estas questões, a ser realizado não em gabinetes de burocratas instalados em Brasília, a Capital Federal, mas sim por cada um de nós – que hoje somos meros cidadãos, consumidores, contribuintes, eleitores — que despontará outra discussão, acerca da nossa organização comunitária, a partir das localidades em que habitamos — loteamentos, bairros, distritos, vilas —, cuja prática organizacional hoje além de insipiente é também deturpada, posto que realizada nos mesmos moldes juspolíticos ultrapassados e em crise que estão em análise neste texto. Há que se prestigiar, antes de tudo, as idéias fundantes do poder de livre iniciativa — este já inscrito nesta mesma Constituição em crise que muitas vezes nos tolhe o direito de escolha, sob o argumento de que o faz por índole protetiva — e no princípio da subsidiariedade, que prescreve a prevalência da iniciativa pessoal, familiar, ou comunitária sobre quaisquer interesses ou ações do Estado, seja em que nível for, que venham a dificultar ou impedir estas iniciativas. Assim, esperamos, como efeito mais patente desta discussão, a inversão da ordem dos tópicos aqui estabelecidos, partindo-se então do Homem — e não apenas, mas também cidadão, consumidor, contribuinte, eleitor —, para o Estado, que deve ser um meio, e não um fim em si mesmo, por configurar-se em modo de exercício de poder. A conclusão deste debate levará, inevitavelmente, a um novo modo de organização da Nação Brasileira, que há de se tornar um dia realmente uma Federação, o que infelizmente também está em vão estabelecido em nossa Constituição atual, que há de ser posta ao chão, e erigida outra, que melhor represente os interesses do povo brasileiro.